Desvendando 'Divertidamente 2': Uma Viagem Psicanalítica pela Mente

No último domingo, assisti ao maravilhoso filme da Disney, "Divertidamente 2". Esta sequência está, sem dúvida, entre as minhas top 10 animações favoritas de todos os tempos, ao lado de clássicos como "Toy Story", "Vida de Inseto", "Era do Gelo", "A Origem dos Guardiões", "Viva: A Vida é uma Festa", entre outros. "Divertidamente 2" se destaca como uma peça de entretenimento sem igual, que prende a atenção tanto de adultos quanto de crianças. Assistimos juntos, eu, minha namorada e minha enteada de 9 anos, e todos nos envolvemos profundamente com a história.

O filme é uma obra-prima de detalhes meticulosos, desde a composição musical até a construção visual das cenas. A trilha sonora, em particular, merece destaque. A disposição das notas musicais traz uma sensação de nostalgia, uma reminiscência das emoções da infância, que cativa e emociona. No entanto, a análise musical ficará para um próximo artigo, pois hoje, nosso foco é explorar as nuances psicológicas e emocionais deste filme incrível.

"Divertidamente 2" vai além do entretenimento e nos leva a uma profunda reflexão sobre a mente humana e nossas emoções. Cada detalhe é planejado com precisão, criando uma experiência que é tanto divertida quanto educativa. A riqueza do enredo e a complexidade das emoções representadas pelos personagens lúdicos fornecem uma plataforma perfeita para explorar temas de psicanálise e neurociência.

Embarcaremos agora numa jornada para desvendar os elementos de psicanálise escondidos nas figuras lúdicas do filme e refletir sobre a estrutura psíquica, amadurecimento e controle da ansiedade. Prepare-se para uma análise detalhada que irá além da superfície, mergulhando nos meandros do comportamento humano.

Elementos de Psicanálise em Divertidamente 2

Ao assistir "Divertidamente 2", fica claro que o amadurecimento emocional de Riley é uma das principais narrativas. A adolescência traz um turbilhão de novas emoções e desafios, e o filme ilustra como essas experiências são geridas em sua “torre de comando" emocional.

Aqui vale destacar que, se você for um profissional da saúde mental, quer psicólogo, psicanalista, neurocientista ou de qualquer outra área, o intuito do artigo é analisar os pontos de congruência e como o filme pode trazer uma reflexão profunda ao difundir para os leigos, princípios tão importantes do estudo da psique humana e seu funcionamento, assim eu também farei uma análise para mostrar a riqueza abordada no filme, afim de elucidar e educar, mas também de entreter meus leitores (por que não?).

A Jornada do Amadurecimento Emocional

Já no comecinho do filme, a Alegria - que é a gestora principal na mente da Riley – nos revela que as memórias da nossa protagonista formam não apenas as ilhas, que seriam departamentos ou constructos importantes da personalidade de Riley, mas também criam convicções ou o que poderíamos chamar de “crenças” que irão formar o que, o filme denomina como, “senso de si”. Também vemos a Alegria decidindo quais memórias ela envia para o setor de memórias de longo prazo e o que fica nas memórias recentes.

Se vocês viram o primeiro filme vão lembrar que as memórias são esferas translucidas coloridas que ficam repetindo em lupping os acontecimentos da vida da personagem. Essa gestão é feita de forma bem intencionada, mas talvez não tão eficaz pela Alegria, pois ela parece manipular, de forma tendenciosa, a seleção dessas memórias, de forma que só fique o que possa deixar a Riley feliz, entretanto, aqui caberia a pergunta: isso é mesmo saudável?

Chegada do Departamento de Puberdade

Então de repente, temos o primeiro ponto de virada da história, quando vemos a chegada do “Departamento de Puberdade”, o que curiosamente, acontece durante o sono, um momento crucial no filme, pois trata-se de uma representação da importância do sono no desenvolvimento cerebral. Aqui, vemos uma importante contribuição teórica da neurociência no enredo do filme, pois os estudos em neurociência, nos esclarecem que é durante o sono que ocorrem os processos de consolidação de memória e regulação emocional.

No filme, os personagens responsáveis pela puberdade iniciam uma “reforma” na sala de comando emocional, simbolizando as mudanças cerebrais que ocorrem durante esta fase da vida, o problema é que eles não concluem a tal reforma e tudo fica meio que inacabado, o que de forma lúdica, revela a complexidade dessas mudanças, destacada pela alta sensibilidade dos botões de comandos, resultando em reações emocionais exacerbadas da garotinha. Este fenômeno é consistente com o aumento da reatividade emocional observada durante a adolescência, devido às mudanças hormonais e ao desenvolvimento do cérebro.

Esta é a maneira com a qual o filme destaca a complexidade do amadurecimento emocional, isto é, a introdução de novas emoções, as quais irão refletir as nuances da adolescência e também, e também, serão responsáveis por trazer uma riqueza intrincada para o cenário emocional de Riley, que passará a navegar pelas novas e complexas situações da puberdade.

Clima Esquentando com Ansiedade: A Representação das Emoções e o Amadurecimento

A representação das emoções e o amadurecimento em "Divertidamente 2" é uma abordagem profunda e complexa que oferece uma visão rica sobre o desenvolvimento emocional de nossa personagem. O surgimento dessas novas emoções e as dinâmicas entre elas ilustram o tumultuado processo de transição da infância para a adolescência, um período marcado por intensas mudanças internas e externas.

O filme detalha como Riley enfrenta novas emoções e desafios ao entrar na adolescência. Tais emoções, são representadas como personagens com características distintas, cada uma influenciando a vida da menina de maneiras únicas. Assim, com a chegada da ansiedade, vergonha, inveja e tédio, à torre de comando, o clima começa a esquentar e a interação das emoções antigas com essas novas e, mais complexas, traz consigo a necessidade de um novo equilíbrio.

Vemos no filme que, a Ansiedade, em primeira instância, se mostra muito eficiente, melhorando a performance de Riley no hóquei. No entanto, logo começa a haver uma disputa por comando entre ela e a Alegria. Essa dinâmica ilustra como a ansiedade pode ser útil, mas também potencialmente prejudicial se não for equilibrada.

Ansiedade e sua função

A Ansiedade, com sua cor laranja vibrante, traz em sua bagagem o que é item básico da vida adulta, a preocupação, e de que forma a laranjona faz isso? Antecipando cenários, pensando e simulando as muitas possibilidades e como agir em cada uma delas. Nesse ponto é interessante perceber como em um primeiro momento a Ansiedade traz eficiência a Riley, melhorando sua performance e resultados. Dessa forma, o filme apresenta a ansiedade não apenas como uma emoção negativa, mas como um estado que pode ser motivador. A psicóloga estadunidense, Lisa Damour, destaca que a ansiedade nos mantém alertas e nos ajuda a corrigir nosso curso. No entanto, é crucial que a mesma não domine todas as decisões, mas sim que encontre um equilíbrio saudável. Além disso, o filme nos mostra como a ansiedade tem relação direta com a qualidade do sono.

No filme, momentos de alta ansiedade afetam o descanso de Riley, criando um ciclo de cansaço, estresse e mais ansiedade. Isso é consistente com estudos neurocientíficos que mostram como a ansiedade pode prejudicar o sono, levando a uma espiral de exaustão e esgotamento mental, o que nos leva a concluir que a ansiedade pode ser uma emoção protetora, mas também prejudicial se não for gerida adequadamente e mais, quando no comando, ela pode causar imenso estresse, esgotamento e por fim colapso emocional.

A maneira como essas novas emoções interagem, reflete a complexidade do amadurecimento emocional, mostrando que cada emoção tem seu papel e importância. Ao entender essas dinâmicas, podemos aplicar esses insights para melhorar nosso próprio entendimento emocional e o de nossos filhos, por exemplo.

As novas emoções da Riley, suas cores e lições

Cada emoção é caracterizada por uma cor específica, escolhida para evocar respostas emocionais correspondentes. Alegria é amarela, simbolizando otimismo, criatividade, energia e vivacidade; Tristeza é azul, evocando emoção, calma, reflexão e empatia; Medo é roxo, conectando-se ao mistério, ao desconhecido; Raiva é vermelho, indicando energia, força, agressividade e enfrentamento; Nojinho é verde, representando aversão, repulsa.

Outras nuances sutis podem ser percebidas se nos atentarmos para a formatação física de cada personagem que, embora não pareça o foco da narrativa, não posso deixar de notar que traz muito da concepção de Wilhelm Reich, o qual propôs que traumas emocionais podem se manifestar fisicamente, ao que ele chamou de “caracterologia” ou “armadura muscular”, que observa e ressalta característica e traços de personalidade distintos em 5 tipos de armaduras, que podem ser observadas nas 5 primeiras emoções. As emoções do filme, com suas cores e comportamentos distintos, podem ser vistas como manifestações simbólicas dessas ideias, onde cada emoção tem uma expressão corporal e comportamental própria.

Dentro do universo colorido e emocionalmente denso de "Divertidamente 2", encontramos uma rica tapeçaria de conceitos psicanalíticos que oferecem insights profundos sobre a mente humana. As emoções personificadas no filme — Alegria, Tristeza, Medo, Raiva, Nojinho e agora Ansiedade, Vergonha, Inveja e Tédio — são representações vívidas dos processos internos descritos por Sigmund Freud.

Análise das Emoções Representadas

Alegria e Tristeza: Desde o primeiro filme, Alegria e Tristeza são as protagonistas emocionais, simbolizando o conflito e a complementaridade que Freud descreve em sua teoria do id, ego e superego. Alegria representa o desejo constante de prazer e felicidade (id), enquanto Tristeza muitas vezes atua como a consciência crítica e reflexiva (superego), essencial para o desenvolvimento emocional e a resolução de conflitos internos.

Medo, Raiva e Nojinho: Estes personagens continuam a desempenhar papéis fundamentais na defesa e adaptação de Riley ao seu mundo. Medo é a manifestação da função de autopreservação descrita por Freud, sempre atento ao perigo. Raiva, com sua natureza impulsiva e energética, pode ser visto como uma expressão da pulsão de morte (Thanatos) quando não é equilibrado, enquanto Nojinho atua como um filtro social e biológico, mantendo Riley afastada de experiências potencialmente prejudiciais.

Novos Personagens: Ansiedade, Vergonha, Inveja e Tédio: A inclusão desses novos personagens expande o espectro emocional de Riley, refletindo a complexidade crescente da adolescência. Ansiedade, com sua cor laranja vibrante, simboliza a preocupação constante e a vigilância que podem ser tanto protetivas quanto paralisantes; Vergonha, em um tom rosa suave, captura a autocrítica e a consciência social exacerbada que surge na adolescência; Inveja, com seu verde azulado e Tédio, em um roxo acinzentado, ilustram sentimentos de comparação e apatia, respectivamente, cada um contribuindo para a formação da identidade e autoimagem de Riley.

Temperamentos e comando das emoções: Uma observação interessante, que pouca gente percebeu, é a de que diferentes emoções comandam as mentes de Riley e seus pais. Alegria lidera Riley, enquanto Raiva e Tristeza comandam seu pai e sua mãe, respectivamente. Isso pode ser visto como uma analogia aos temperamentos: Riley com um temperamento mais sanguíneo e otimista; seu pai com um temperamento colérico e assertivo; sua mãe com um temperamento melancólico e introspectivo.

Psicanálise e Estrutura Psíquica

O filme faz alusões claras à psicanálise, particularmente às teorias de Freud sobre o id, ego e superego. Quando a ansiedade desce ao nível raiz, no departamento de convicções, planta uma afirmação de que se Riley entrar para o time não ficará sozinha. Este momento representa o id, a parte primitiva e instintiva da psique que busca satisfazer desejos e necessidades básicas.

Outra referência à teoria freudiana é a ideia de emoções reprimidas ou recalcadas. No filme,

a ansiedade consegue banir a Alegria, Medo, Tristeza, Nojinho e Raiva, simbolizando como emoções podem ser empurradas para o inconsciente, causando conflitos internos. As afirmações e memórias que são colocadas no departamento de convicções se tornam crenças formadoras do senso de si, ou ego, que medeia entre os impulsos do id e as exigências do superego, representado pelas normas e valores internalizados.

Comparações com Teorias de Desenvolvimento Emocional

As teorias de desenvolvimento emocional, como as de Erik Erikson, que descreve os estágios de desenvolvimento psicossocial, podem ser comparadas com o enredo do filme. Erikson sugere que a adolescência é um período de busca de identidade, onde os jovens experimentam crises que os ajudam a formar um senso de identidade estável. Riley, através de suas interações com as novas emoções, está navegando exatamente esse processo, tentando equilibrar quem ela é com quem ela está se tornando.

Emoções Reprimidas e a Jornada de Autoconhecimento

Banidos para as emoções reprimidas, nossos heróis - Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho - enfrentam uma viagem épica para retornar à torre de comando. Tristeza é a primeira a conseguir voltar, o que não é por acaso. Quando a intensidade emocional desencadeada pela ansiedade está no comando, o frenesi criado por ela logo cede lugar à tristeza. Este é um momento crucial no filme, pois mostra que após períodos de alta intensidade emocional, a tristeza muitas vezes surge como uma forma de equilíbrio emocional.

No auge da trama, vemos Riley entrar em uma crise de ansiedade. Este é o clímax do filme, pois a própria Ansiedade, depois de causar um esgotamento, acaba presa em um vórtice de paralisia. Este momento é particularmente importante, pois reflete uma verdade neurocientífica: o cérebro não distingue claramente entre antecipação, imaginação e vivência real. A ansiedade gasta nossas energias em algo que não ocorreu na prática, e no momento da realização, nossa força se esgota.

Durante uma crise de ansiedade, o que precisamos é da pulsão de vida, representada no filme pela Alegria. A Ansiedade, em um brado desesperado, mas silencioso, pede ajuda à Alegria, sinalizando a necessidade de uma força vitalizadora. As emoções se juntam para ressignificar a experiência de Riley. Aquele caulezinho plantado pela Ansiedade no departamento de convicções, que vinha gerando medo e insegurança, embaçando a autoimagem da garota, é agora mesclado com certezas das qualidades, defeitos, potencialidades e limitações de Riley. Este processo é fundamental para a formação de um senso de identidade mais equilibrado e maduro.

A alegria, em consonância com as demais emoções, finalmente estabiliza e remove a ansiedade do comando, o que retira Riley da crise, mostrando a importância de um equilíbrio emocional saudável. Essa dinâmica final reflete a complexidade do amadurecimento emocional, onde todas as emoções, mesmo aquelas vistas como negativas, têm um papel crucial na formação de uma psique saudável e resiliente.

Conclusão

Em "Divertidamente 2", a representação das emoções e o amadurecimento de Riley são retratados com uma profundidade que ressoa com várias teorias psicanalíticas e neurocientíficas. O filme não só diverte, mas também educa sobre a complexidade da mente humana, mostrando que cada emoção, mesmo as mais difíceis, têm seu lugar e importância na jornada do autoconhecimento e amadurecimento. As metáforas visuais e narrativas utilizadas oferecem um meio poderoso de refletir sobre nossos próprios processos emocionais, destacando a importância de acolher e integrar todas as nossas emoções para uma vida mais plena e equilibrada.